13 jan notícia 11 01 23 – Queda DAS AÇÕeS DA AMERICANAS E POSSÍVEL FRAUDE
Olá, meu nome é Mauricio Hernandez e hoje vou falar sobre a notícia que está gerando queda das ações da Americanas (AMER3) e que pode se revelar como uma das maiores fraudes da história. [1]
Compliance e auditoria externa são coisas sérias. Todo escritório de advocacia empresarial respira isso, de forma que achei por bem explicar por aqui, em detalhes, o que sabemos sobre o assunto.
Tudo começou com o comunicado de quarta-feira, dia 11 de janeiro de 2023, do agora ex-presidente da Americanas, Sergio Rial. Nele, foi informado aos funcionários da empresa e de suas controladas a existência de “lançamentos contábeis inconsistentes“. A estimativa é que o rombo passe de R$20 bilhões e não se sabe ainda a quais anos as inconsistências de dados se referem [2].
Rial, no entanto, informa que “a posição de caixa é sólida” [3] , buscando, com isso, tranquilizar fornecedores e acionistas. Contudo, no momento da redação desse artigo, as ações caíram de R$11,65 para R$2,88 [4].
Como forma de lidar com o passivo, provavelmente precisarão levantar capital no mercado financeiro [5] – via um possível follow-on. Embora as declarações sejam de que o caixa esteja saudável, capital novo gera maior segurança ou ao menos o simples processo de capitalização sinaliza segurança para o mercado.
A questão, meus amigos e minhas amigas, é que aparentemente é um erro que ocorre desde a década de 90: “um problema de estruturação de risco sacado que não era reportado como dívida“. [6] [7]
Sérgio Rial, no entanto, assumiu o cargo em 2 de janeiro e em poucos dias percebeu que os reportes de pagamento a fornecedores estavam distorcidos. Checando as cartas de circularização – que são documentos que atestam um compromisso financeiro, encaminhados aos bancos –, não havia a identificação das dívidas. Segundo sua declaração, começou então a “identificar sinais de que o nível de transparência não estivesse tão fluído como deveria”.
Aparentemente, o risco sacado (ou “forfait“) ficou contabilizado, junto com os juros pagos aos bancos, na conta de fornecedores no balanço. No entanto, seria uma despesa financeira.
MAS O QUE É FORFAIT, RISCO SACADO OU CONFIRMING
Mas afinal, o que é forfait, risco sacado ou confirming?
Quando uma empresa compra bens [8] ou contrata a prestação de serviços com pagamento à prazo, ela estabelece uma estrutura na qual quita o contrato em data futura. Essa data geralmente chega a 30, 60, 90, 120 dias ou até mais, dependendo da relação entre as empresas.
O fornecedor, no entanto, pode, em razão de necessidade de capital de giro (o advogado empresarial atua no mercado financeiro nisso), precisar antecipar de alguma forma esse recebimento [9] . Algumas empresas, inclusive, colocam o custo dessa antecipação em seu modelo de preço, para já adequar essa possibilidade. Sobre o tema, veja o nosso material com vídeo “O que é securitização de ativos ou venda de recebíveis”. [10]
Contudo, é necessário que a empresa que contrata a compra ou o serviço autorize a antecipação por um banco. Com essa autorização e contratação de antecipação, o compromisso de quitar a dívida passa a ser com a instituição financeira [11].Com isso, temos o chamado risco sacado, forfait ou confirming. A adquirente, afinal, confirma com o banco que, de fato, a alienante do título, fornecedora de produto ou serviço, tem aquele valor a receber naquele prazo.
MAPA DA OPERAÇÃO DE FORFAIT
Então, temos esse mapa da operação de forfait:
- A companhia cedente, que é a fornecedora de produtos ou serviços;
- O banco, que adquire o crédito do fornecedor de produtos ou serviços e;
- A companhia que adquire os bens ou serviços do fornecedor, também denominada empresa “âncora”.
Com a cessão do crédito [12] , os prazos não são alterados, nos termos do ofício 1/2021 da CVM [13]. A estrutura é geralmente formatada entre o banco e a adquirente ou âncora, de forma que, em essência, um contrato de adesão é firmado com a companhia cedente. Isso é normal, pois a adquirente não quer o risco de ter várias instituições financeiras cobrando supostas antecipações contratadas, até em razão de riscos mais elevados de fraudes.
Na transação de risco sacado, forfait ou confirming, não ocorre a cessão de crédito com coobrigação do fornecedor de bens e/ou serviços. Se isso ocorresse, o banco perderia o tratamento tributário mais benéfico pela não incidência do IOF, que é uma vantagem em termos de custo.
Ou seja, a relação legal, após pagamento à vista ao fornecedor, por parte do banco, fica sendo entre esse banco e a empresa adquirente ou âncora. Eles criam uma estrutura legal com previsão de limite de crédito pré-aprovado e toda uma estrutura jurídica que esteja baseada nos riscos inerentes à empresa âncora. Tudo isso muito bem desenhado pelas equipes de advogados empresariais e financistas de ambas as empresas.
FORMATO CONTÁBIL DO FORFAIT, RISCO SACADO OU CONFIRMING
Mas como é o formato contábil do forfait, risco sacado ou confirming?
O ofício-circular CVM 01/2016 [14] estabelece que, formalmente, “(…) a companhia vendedora (fornecedor) emite uma fatura que contempla o prazo a ser financiado pelo banco, porém não reconhece em sua contabilidade a venda pelo valor presente. E com isso apresenta um EBITDA maior. A companhia compradora, por sua vez, não reconhece um passivo oneroso junto ao Banco, mas o passivo de funcionamento “fornecedores”; seu estoque fica inflado e a margem bruta com vendas distorcida. Com esse expediente, a companhia compradora consegue distorcer sua real situação financeira. Deixa de reconhecer despesas financeiras em resultado, pois além de não reconhecer o passivo oneroso “financiamento”, não ajusta a valor presente o passivo “fornecedores”, sem a devida segregação de juros embutido na operação a ser apropriado em resultado, nos termos do Pronunciamento Técnico CPC n. 12. Balanço Patrimonial – BP, Demonstração do Resultado do Exercício – DRE e Demonstração dos Fluxos de Caixa – DFC deixam de atender à condição de representação fidedigna.”
Essas transações devem ser divulgadas em notas explicativas, em anexo às demonstrações contábeis, devendo incluir, nos termos do mesmo Ofício-circular da CVM de 2016:
- bases utilizadas pela administração da companhia, tanto aquela na posição de fornecedora quanto aquela na posição de compradora para a decisão da prática da inclusão de uma instituição financeira (banco) para viabilizar a “transação de forfait”;
- condições das negociações com os bancos, custo financeiro, utilização de limites e linhas de crédito;
- a conclusão para a definição dos registros contábeis;
- entre outras informações consideradas importantes para a conclusão alcançada.
Por isso, “(…) é irregular a apresentação distorcida da transação, devendo prevalecer a essência econômica sobre a forma jurídica.” O entendimento da CVM é que, nessas operações ocorre “(…) um financiamento da companhia compradora de mercadorias ou bens de capital por parte de uma instituição bancária.” Por isso, o passivo oneroso deve ser identificado no balanço patrimonial (BP) e o serviço da dívida correlato, constituído por juros e demais encargos, “(…) deve ser apropriado tempestiva e exponencialmente em resultado, conforme curva efetiva de juros”.
PWC E OS “LANÇAMENTOS CONTÁBEIS INCONSISTENTES”
Vamos falar um pouco sobre a auditoria da Americanas, feita pela PWC e os “lançamentos contábeis inconsistentes”? [15]
Empresas de grande porte, como as de capital aberto, fazem auditoria externa para o fornecimento de segurança para o investidor, que muitas vezes não vai auditar as contas. Então, quando essa auditoria é feita por uma prestadora estabelecida no setor, os analistas tendem a confiar. Esse é o caso das conhecidas como “big four”, que são as grandes empresas internacionais de consultoria e auditoria.
A PwC audita as contas da Americanas desde outubro de 2019, quando a KPMG (outra das “big four”) deixou de ser responsável pela auditoria. Os erros, no entanto, existiriam desde a década de 90.
No relatório de 24 de fevereiro de 2022, a PwC afirmou: “Em nossa opinião, as demonstrações contábeis apresentam adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a posição patrimonial e financeira da Americanas S.A. e suas controladas em 31 de dezembro de 2021, o desempenho de suas operações e os seus respectivos fluxos de caixa consolidados”. [16]
Contudo, bastaram cerca de nove dias no cargo para que o senhor Sérgio Rial, agora ex-presidente, revelasse o que descobriu. Empresa de auditoria de grande porte não parece significar trabalho bem realizado (evidente que erros acontecem com qualquer empresa) , não é ?
Em 2020, a PwC esteve, enquanto auditora, envolvida no escândalo de gestão da resseguradora IRB Brasil (IRBR3). Segundo informações colhidas, estariam inflando os números dos resultados, de forma a aumentar os bônus dos gestores, ocasionando o derretimento das ações da IRB em mais de 93% na B3 [17]. Na sequência, a IRB foi excluída da B3.
E agora, será que vamos ter uma recuperação judicial da Americanas, repassando o prejuízo para fornecedores e para o Estado? O sr. Rial, que aparentemente revelou, de forma ética, preocupações com as inconsistências, afirma que o caixa da empresa está saudável. Para conhecer melhor o tema de recuperação judicial, não deixe de acessar nosso material com vídeo “Entenda a Recuperação Judicial de Empresas” [18].
1 Ressaltamos que trazemos aqui informações legais e informações apresentadas pelo ex-presidente da empresa e pela mídia. Não realizamos auditorias de contas no caso e nem estamos, no momento da redação deste artigo, envolvidos de qualquer forma com as citadas empresas.
4 Ver em [ https://www.google.com/finance/quote/AMER3:BVMF?sa=X&ved=2ahUKEwimzMyT1sL8AhXoBbkGHfVhCekQ3ecFegQIHhAg&window=5D ].
5 Veja nosso material com vídeo sobre o “Advogado Empresarial no Mercado Financeiro e de Capitais” em [ https://hernandezperez.com.br/advocacia-empresarial/advogado-empresarial-no-mercado-financeiro-e-de-capitais/ ].
6 Referência: https://www.infomoney.com.br/negocios/americanas-amer3-empresa-precisara-de-capitalizacao-mas-nao-e-possivel-estimar-tamanho-afirma-rial/ .
7 Por isso, é importante, por vezes, trazer consultores externos para, não apenas auditar a empresa, mas realizar trocas com a equipe interna. O escritório de advocacia empresarial é muitas vezes contratado para avaliar as condutas internas de uma empresa, bem como suas adequações às legislações em vigor.
8 Veja nossos materiais com vídeo sobre o tema da compra e venda: “Contrato de Compra e Venda Empresarial: Conceito, Características e Elementos” (disponível em [ https://hernandezperez.com.br/direito-empresarial/contrato-de-compra-e-venda-empresarial-conceito-caracteristicas-e-elementos/ ]) e “Contrato de Compra e Venda Empresarial: Forma, Prova e Execução” (disponível em [ https://hernandezperez.com.br/direito-empresarial/contrato-de-compra-e-venda-empresarial-forma-prova-e-execucao/ ].
9 Veja nosso material com vídeo sobre o assunto: “Títulos de Crédito: Conceito, Requisitos, princípios e normas gerais”, disponível em [ https://hernandezperez.com.br/direito-empresarial/titulos-de-credito-conceito-requisitos-principios-e-normas-gerais/ ].
11 Às vezes, a instituição do mercado financeiro é até mesmo do próprio grupo econômico do qual a contratante faz parte, para manter tudo em casa.
12 Não deixe de conhecer nosso material com vídeo sobre FIDCs (“Por que fazer antecipação ou venda de recebíveis ou duplicatas via FIDCs?”), acessível em [ https://hernandezperez.com.br/direito-empresarial/por-que-fazer-antecipacao-ou-venda-de-recebiveis-ou-duplicatas-via-fidcs/ ].
13 Ver em [ https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/oficios-circulares/snc-sep/anexos/oc-snc-sep-0121.pdf ].
14 Ver em [ https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/oficios-circulares/snc-sep/anexos/oc-snc-sep-0116.pdf ].
15 Novamente, estamos aqui apenas repassando informações colhidas acerca das declarações do ex-presidente da Americanas S.A.. Além disso, não conhecemos os termos da auditoria da PwC e da KPMG e é possível que a operação de forfait não tenha sido informada para as empresas auditoras. Enfim, não estamos aqui atribuindo qualquer erro a nenhuma das empresas, mas apenas avaliando, preliminarmente, as informações, sendo certo que o caso será avaliado com o zelo das autoridades competentes e dos grupos financeiros envolvidos.
16 Ver em [ https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/acoes-americanas-amer3-20-bilhoes-quem-e-pwc-auditoria/ ].
17 Ver em [ https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/acoes-americanas-amer3-20-bilhoes-quem-e-pwc-auditoria/ ].
18 Ver em [ https://hernandezperez.com.br/advocacia-empresarial/entenda-a-recuperacao-judicial-de-empresas/ ].
TIRE SUAS DÚVIDAS CONOSCO E DÊ SUGESTÕES SOBRE QUESTÕES JURÍDICAS EMPRESARIAS!